A DESMECANIZAÇÃO DO UNIVERSO
Das Máquinas Desejantes aos Sistemas Complexos
Discute-se aqui o fim do computador como fetiche organizador da cultura contemporânea. Atualmente, fala-se muito que a relação interativa entre homens e máquinas está transformando as relações entre os homens. Mas o que há de novo realmente? Sempre utilizamos de artifícios diante do mundo, de ferramentas desnaturalizantes, de instrumentos e máquinas como extensões mecânicas do corpo. O homem se desnaturalizou através de seus apetrechos mas não há nada de 'moderno' ou de 'ocidental' nisso. É que só agora, após a contracultura e a planetarização, é que assumimos nossa simbiose e nossa hibridez. Mas seremos os senhores protéticos de nossas ferramentas ou, ao contrário, animais domesticados pela própria mecânica cultural das máquinas que criamos? Qual a diferença entre as 'máquinas desejantes' (Deleuze/Guattari) e o Cyborg contemporâneo?


  
Consideremos um tapete contemporâneo. Comporta fios de linho, de seda, de algodão, de lã, com cores variadas. Para conhecer esta tapeçaria, seria interessante conhecer as leis e os princípios respeitantes a cada um destes tipos de fio. No entanto, a soma dos conhecimentos sobre cada um destes tipos de fio que entram na tapeçaria é insuficiente, não apenas para conhecer esta realidade nova que é o tecido (quer dizer, as qualidades e as propriedades próprias de cada textura) mas, além disso, é incapaz de nos ajudar a conhecer a sua forma e a sua configuração.
Primeira etapa da complexidade: temos conhecimento simples que não ajudam a conhecer as propriedades do conjunto. Umas constatação banal que tem conseqüências não banais: a tapeçaria é mais que a soma dos fios que a constituem. Um todo é mais que a soma das partes que o constituem.
Segunda etapa da complexidade: o fato de que existe uma tapeçaria faz com que as qualidades deste ou daquele tipo de fio não possam exprimir-se plenamente. Estão inibidas ou virtualizadas. O todo é então menor que a soma das partes.
Terceira etapa: isto apresenta dificuldades para o nosso entendimento e para a nossa estrutura mental. O todo é simultaneamente mais e menos que a soma das partes.” (1)
  • CAUSALIDADE CIRCULAR
Ao enunciar os princípios da teoria cibernética da informação, Nobert Wiener (2) já reconhecia dois tipos de 'feedbacks' ou retornos mecânicos: os de auto-regulação (em que um esforço é equilibrado pelo seu inverso, assim: ‘quanto mais x, menos y; quanto menos x, mais y’) e os de auto-reforço ou a retroalimentação galopante (em que quanto mais x, mais y também). No primeiro caso não faltam exemplos: a mão invisível entre a oferta e a procura de Adam Smith, o controle mútuo das instituições americanas, o equilíbrio das bicicleta, o próprio zig-zag do timão dos barcos que deu nome a cibernética. Porém, a exceção das epidemias, não há realimentação de auto-reforço e crescimentos exponenciais da mesma ordem na esfera da natureza, e o estudo das progressões geométricas de opinião pública, lugar-comum entre marketeiros e políticos, foi esquecido tanto do ponto de vista sociológico quanto estatístico.
São três, as principais versões do fenômeno:
 
O ‘efeito popularidade’ ou a tendência de uma causa ganhar apoio simplesmente devido ao número crescente dos que aderem a ela. (Quanto mais, mais!)
A ‘profecia’ ou a maldição que se auto-realiza, na qual ‘os temores originalmente infundados levam a ações que fazem os temores se tornarem verdadeiros’.  (Quanto menos, menos!)
O ‘círculo vicioso’ em que fatores causais opostos e complementares se realimentam ao infinito: “os biscoitos não vendem porque estão velhos e estão velhos porque não foram vendidos”. (Quanto menos, mais; quanto mais, menos!)

O efeito ‘círculo vicioso’ ou a retroalimentação por duas (ou mais) causas co-recorrentes, no entanto, nos coloca a questão da dependência e da auto-organização, ou melhor, da não-desenvolvimento de um sistema devido à sua redundância interna. Um sistema com baixo nível de organização vive em constante conflito relacional em que situações recorrentes se repetem de forma compulsiva e involuntária. A medida que o próprio sistema cria fatos novos e toma consciência desses padrões de repetição, rompe-se o círculo vicioso e há uma reorganização cognitiva irreversível e cumulativa, uma mudança progressiva na estrutura interna  do sistema.

Porém, como para passar de “os biscoitos não vendem porque estão velhos e estão velhos porque não foram vendidos” para famosa dialética dos biscoitos Tostines (que “vendem mais porque estão sempre frescos e estão sempre frescos porque vendem mais”)? Ou melhor: como passar de uma realimentação de auto-reforço de uma situação recorrente e estagnada para ‘um círculo virtuoso’, ou para uma realimentação de equilíbrio dinâmico?

Um publicitário responderia sem titubear: fazendo uma campanha publicitária para alterar a imagem do produto. Aliás, a imagem não, o próprio produto. A publicidade atual não cuidaria só da embagem (que seria trocada), mas do próprio biscoito (seu gosto, aparência, consistência). Transpondo essa idéia para um campo de reflexão mais geral mais geral chegaríamos a conclusão de que é necessário uma espécie de trabalho comunicacional (antigamente: um  ritual mágico) para romper com  os círculos viciosos e transformá-los em virtuosos. Aliás,  palavra virtual veio de virtude. Os biscoitos são sempre os mesmo, são o 'atual'; o que é mudado é sua virtualização.

Esta é uma  forma antiga realmente e um teoria do feedback atual (que leve em conta a polifonia e a multiplicidade de respostas) não classificaria as coisas desse jeito, pois todos 'retornos plurais' são de auto-reforço e de auto-regulação ao mesmo tempo. Porém, o que existe nos processos de crescimento exponencial que citei (popularidade, maldição, círculos) são desequilíbrios estatísticos em sistemas não-lineares, estudadas através de modelos matemáticos complexos: caos determínistico, estruturas dissipativas, vidro de spins, etc. Para passar de um círculo vicioso para um círculo virtuoso é necessário mudar o modo de virtualização do momento atual.

O modo de virtualização não é a imagem (ou a representação social) de um objeto, mas uma refração através da qual percebemos algo. Uma duração/subjetiva (ou Linguagem) que interdepende de uma duração/objetiva (a que muitos chamam Realidade). O modo de virtualização se dá por metáforas e associações retroalimentantes (biscoitos velhos/não vendem; biscoitos frescos/vendem).

  • REALIDADE VIRTUAL
O pensador alemão Dietmar Kamper diz que “a realidade é o sonho de Deus; o simbólico, o sonho das homens; e o imaginário, o sonho das máquinas”. (3) O Virtual, no entanto, é, ao mesmo tempo, maquínico, humano e divino. Ele é uma conjunção dos três sonhos, uma intercessão das três realidades autoproduzidas - o imaginário, o simbólico e a realidade. Ou melhor: a realidade virtual é a desmaterialização do espaço físico (o 'fim das distâncias') e da dessacralização do imaginação, que passa a ser utilizada como um método de investigação: a simulação.

Foi através da simulação de quedas d'águas e cachoeiras (mecânica dos fluídos) que chegamos à teoria do caos e a noção de atractor estranho (4). Também foi a simulação que permitiu reconstituir a histórica térmica do universo na teoria da entropia e das estruturas dissipativas entre a luz e os buracos negros (5).  A simulação holográfica fez da imaginação ampliada pela máquina uma ferramenta de reconstituição do real com um nível de objetividade e precisão muito além da percepção biológica e de suas interpretações. Os universos  microcósmicos do átomo e das bactérias e o macrocosmo são mundos virtuais, por exemplo.

A simulação tridimensional se tornou não apenas um critério de verdade (6) científica, mas também uma garantia de objetividade em várias áreas da vida social, como no futebol e no direito. A computação gráfica faz com que o penalti e o impedimento deixem de ser questões de interpretação (dos juízes e banderinhas) para serem vistas realmente como foram. Vídeo e foto não são provas judiciais, mas simulações computorizadas são. É que a subjetidade maquínica é destituída de intencionalidade e por isso reconstituí a objetividade dos fatos perdida no tempo não apenas com uma memória destituída de sentimentos e opiniões, mas sobretudo como um holograma que visibiliza suas tendências gerais e suas projeta possibilidades de mudança. Ou seja: filosoficamente, o contrário do virtual é o atual, não é o real (7). Não se trata de parecer diante do Ser, como imaginou Baldiou (8).

Menos que o imaginário, mais do que projetaríamos planejar; a simulação holográfica do virtual é hiperreal. E esta é a idéia deleuziana adotada por Pierre Levy (9). O Virtual não é a verdade ideal que transcende o real (Platão), ele é imanente ao real como uma potência de realização. Ele é o produto e o produtor da subjetividade maquínica e do projeto de uma subjetividade humana coletiva.
 

 
ATUAL 
VIRTUAL
POSSÍVEL 
CONDIÇÕES SÓCIOTÉCNICAS (Phylum)
VALORES E  REFERÊNCIAS
REAL
FLUXOS  ENERGÉTICOS NO ESPAÇO/TEMPO
TERRITÓRIOS EXISTENCIAIS

O efeito ‘círculo vicioso’ ou a retroalimentação por duas (ou mais) causas co-recorrentes, no entanto, nos coloca a questão da dependência e da auto-organização, ou melhor, da não-desenvolvimento de um sistema devido à sua redundância interna. Um sistema com baixo nível de organização vive em constante conflito relacional em que situações recorrentes se repetem de forma compulsiva e involuntária. A medida que o próprio sistema cria fatos novos e toma consciência desses padrões de repetição, rompe-se o círculo vicioso e há uma reorganização cognitiva irreversível e cumulativa, uma mudança progressiva em toda sua estrutura interna do sistema.

Para entender/simular este efeito de ‘romper com o círculo vicioso’ utiliza-se o modelo de complexidade a partir do ruído (11), em que os fatores aleatórios passam a ser parte integrante da auto-organização em vários níveis de desenvolvimento simultâneos. Nessa formulação, que surgiu a partir do papel da informação como fator de organização biológica das espécies, a capacidade de auto-organização de um sistema resulta de desorganizações seguidas de reorganizações em níveis de complexidade mais elevados, ou dos mais simples aos de maior diversidade e menor redundância.

  • MÁQUINAS DESEJANTES
O primeiro livro da série intitulada Capitalismo & Esquizofrenia, O Anti-Édipo (12), Deleuze e Guattari começam descrevendo o universo das máquinas desejantes a partir da loucura de Van Gogh, Artaud, Nietzsche e outros - para entrever a instituição da Clínica como um duplo desejo de domínio: o controle social do Estado sobre a sexualidade da família e o controle dos pais sobre a sexualidade de seus filhos. É como se só através da psicose nos fosse permitido ver a verdade: estamos em um universo automatizado pelos inconscientes 'saudáveis' da maioria silenciosa.

 As Máquinas Desejantes são estes sistemas abertos de recorrência involuntária em que tudo se produz, inclusive a Natureza, a Sociedade e a suposta oposição entre ambas. Segundo a visão esquizo,  tudo funciona através das máquinas, dentro e fora dos corpos. O bebê no seio materno, alguém comendo ou fazendo xixi - não importa: a subjetividade maquínica independe de ferramentas. Somos apenas engrenagens de um sistema semi-mecânico do universo - a mecanosfera!

Não há, no entanto, uma única máquina total, que organize e supervisione outras menores, mas sim tantas máquinas quanto universos de enunciação, que se encontram e se integram em um Corpo Sem Órgãos, o misterioso CSO (13). Máquina técnica, científica, social, cultural, biológica, etc, O termo 'máquina' seria assim uma sofisticação da noção de 'estrutura' (14). Máquinas desejantes porque produtoras de si e de sua própria realidade.

No artigo 'Produção de subjetividade' (15), Guattari define três níveis (vias/vozes) dos 'Equipamentos Coletivos de Subjetivação' (em uma alusão ao diagrama de Foucault):
 

I. "As vozes do poder: que circunscrevem e cercam, de fora, os conjuntos humanos, seja por coerção direta e dominação panóptica dos corpos, seja pela captura imaginária das almas" (ou a produção da produção na linguagem do Antiédipo e, em Mil Platôs, o conjunto das instituições formado através do conflito entre o aparelho de estado e a máquina de guerra nômade)
II. A máquina semiológica (a produção do registro em seus primeiros trabalhos) ou "as vozes do saber: que se articulam de dentro da subjetividade às pragmáticas técnico-científica e econômicas." Poderíamos dizer que há uma máquina dentro da outra, ou melhor: que a máquina de guerra do poder eqüivale ao hardware e a linguagem assembler (e por seu caráter binário está associado à Árvore) enquanto a máquina semiológica eqüivale aos softwares e às linguagens de alto nível (e por isso assemelha-se mais a metáfora do Espelho e a noção de Inconsciente).
III. E as máquinas de fabricação de Si e das singularidades, (‘a produção do consumo’ no Antiédipo) ou "as vozes de auto referência: que desenvolvem uma subjetividade processual auto fundadora de suas próprias coordenadas, autoconsistencial, (...)" Neste nível é que o sistema produz seus vírus e seus anticorpos; que os efeitos de popularidade, maldição e dos círculos de retroalimentação são engendrados; que a comunicação se aproxima da epidemiologia. E que o próprio discurso de Guattari se produz e é interpretado, em que as singularidades se encontram e que os modos de virtualização se processam.

Porém, o grande encontro de Foucault com Deleuze é póstumo. No post-scriptum sobre as sociedades de controle, último capítulo do livro Conversações (16), Deleuze proclama o fim das instituições disciplinares e de confinamento estudadas por Foucault (a escola, a fábrica, o presídio, o hospital, o exército) e o aparecimento de novos dispositivos de controle 'em redes a céu aberto'. Neste texto, o 'Phyllum' substitui o 'Diagrama' e Deleuze propõe uma classificação histórica das máquinas - como detalharemos no próximo capítulo, Foucault segundo Deleuze.

Para Deleuze, com a desterritorialização das máquinas locais e o aparecimento do biopoder das sociedades disciplinares, os homens passaram a viver confinados dentro das instituições, sempre em um regime fechado e de duração limitada. Porém, o próprio desenvolvimento das máquinas em redes cada vez mais complexas e desterritorializadas está alterando o mecanismo sobre o qual o Poder se organiza. No novo regime de moratória ilimitada mais do que levar a culpa (e o ressentimento) dos indivíduos contemporâneos a um estatuto de responsabilidade social, vai estabelecer um novo tipo de funcionamento do poder, ainda mais introjetado e subliminar que a disciplina: o controle contínuo, simultâneo e descentralizado a partir de um sistema númerico de cifras e senhas. Formação e trabalho ininterruptos; a escola dentro da empresa, a empresa dentro da escola e cada um em sua casa; a produção de subjetividade como principal atividade econômica-social - vários aspectos que hoje vemos mais de perto.

Mas, ao contrário de muitos ciberfanáticos atuais, Deleuze não considera a sociedade de controle globalizado melhor que as antigas sociedades disciplinares (embora haja avanços: o atendimento médico domiciliar deve ser melhor que o hospital, os serviços comunitários para delitos leves devem ser melhores que o encarceramento, a empresa e a participação nos lucros são melhores que a fábrica e o salário). Para ele, o importante é descobrir formas novas de resistência aos novos dispositivos do Poder.

  • MACROMETÁFORAS
Deleuze&Guattari não consideravam 'as máquinas' metáforas e também não vislumbravam um 'todo' no conjunto das partes: "Mil platôs não formam uma montanha". Nós, no entanto, vendo o todo nas partes e as partes no todo, vemos a montanha como um fetiche, um centro da organização, como o efeito de retorno do todo sob as partes. E é neste âmbito geral das abstrações, que surgem as macrometáforas ou arquétipos de uma totalidade sempre incompleta: o espelho, a árvore e a máquina.

No ensaio O Espelho do Tempo (17) defendi que o virtual tanto é uma ilusão de eternidade como uma possibilidade real de eternidade. Há um nível de realidade pré-fabricada que é pós-produzida, a simultaneidade como em um espelho referencial e simbólico ao mesmo tempo. Mas, hoje vejo, o espelho é apenas instrumento primário, na verdade, uma homogeneização da metáfora da máquina a nível do Saber.

No capítulo passado, A Árvore do Saber, comparei a metáfora da árvore à da máquina, afirmando que Pierre Levy transformou-a de símbolo universal em um ícone de auto organização e que - ao contrário do que pensaram Deleuze e Guattari no primeiro volume de Mil Platôs, O Rizoma - as duas metáforas não são necessariamente excludentes (18). Ambas são representações da máquina a nível do Poder. Já em meu trabalho Semiética – da Hermenêutica à Complexidade (19), iniciei minhas pesquisas sobre a produção de Si pela máquina social, discutindo várias questões correlatas, o impacto que a microcodificação digital impôs à ética ao meio ambiente, a nova relação entre o tempo e o espaço. Mas ainda não conseguia distinguir claramente o fetiche em torno do qual tudo se organizava.

Penso agora que a metáfora da máquina (esta virtualização-virtualizadora) está no centro não apenas de toda nossa reflexão contemporânea, mas de todas as possibilidades de mudança que dispomos. Deixar de ser homem mecânico para ser uma máquina humana, ser um cyborg protético (20) é não ter uma interatividade reativa (21) com as redes em que se está 'linkado'. Passar de círculos viciosos compulsivos, mecânicos e involuntários para círculos virtuosos da singularização implica em uma relação cada vez mais consciente com a tecnologia, utilizando-a como uma ferramenta de libertação de Si e não como uma arma de dominação sobre os outros. Pois é o homem que se olha no espelho, é o homem que planta a árvore e, observando-a, sonha com o poder e a imortalidade. E também é o homem que faz a máquina e passa viver segundo ela. Tudo fica mais claro a partir da noção de sistemas complexos e da desmecanização que as próprias máquinas passam a operar!

  • SISTEMAS COMPLEXOS
E o que é entendemos por um sistema complexo ou não-linear? Um gigantesco quebra-cabeças, por exemplo, por mais complicado que seja, não é complexo porque possui uma única solução. Já um poema hai-kai, por simples que seja, permite várias leituras e pode ser compreendido como um sistema complexo (22). Entretanto, existem outras definições mais específicas de sistemas não-lineares, variando segundo sua aplicação e modelo estatístico: complexidade algorítmica, vidros de spin, caos determinístico, estruturas dissipativas, complexidade através do ruído.

Para Ferrara (23), esses três modelos (do caos determinístico, da estrutura dissipativa e da auto-organização através do ruído) devem ser entendidos de forma complementar e são os mais adequados ao estudo do texto literário como sistema complexo. Os modelos ressaltados podem ser aplicados a outros objetos/campos mais que literários. Por exemplo: o modelo do caos determinístico para o organização do trânsito de veículos como sistema; ou o modelo das estruturas dissipativas para a matematização do novo marketing da interatividade e a segmentação da cultura de massas. Porém, mais que investigar a aplicação de modelos matemáticos às ciências humanas, o importante é a idéia que a complexidade através do ruído engloba os aspectos dinâmico e simultâneo da auto-organização em camadas sobrepostas, em vários níveis interdependentes. E esta idéia leva a uma definição de complexidade bem mais precisa e abrangente (24).

Assim, mais que uma representação mais detalhada da realidade, a noção de sistema complexo nos permite pensar a nós mesmos como auto-referências vivas e irredutíveis de um mundo de múltiplos níveis de desenvolvimentos simultâneos. Somos parte do universo que estudamos como um sistema aberto e vivo, que se auto-organiza em diferentes tempos e estratos de observação. E portanto, o conhecimento científico e o auto-conhecimento ético são duas faces de uma mesma moeda, duas dimensões (física e psicológica) de um único processo biosocial. Vistas essas definições, passemos às principais demandas nos processos de auto-organização: a singularização e o des-envolvimento simbiótico.

 A auto-organização é uma das características dos sistemas abertos e não-lineares ou complexos, que consiste na capacidade de aprender com os próprios erros. Auto-organizar-se é corrigir-se frente ao ruído e à redundância da vida. Quanto mais organizado interiormente um sistema for, maior a sua criatividade e adaptação frente as dificuldades de sua evolução (25). Se observarmos quais são os ‘erros’ através dos quais um sistema se organiza, distinguiremos dois diferentes tipos de demanda principais: as demandas de singularização (ou de diferenciação criativa Parte/Todo) e as demandas simbióticas de autonomia e identidade (ou de des-envolvimento Parte/Parte), envolvendo as funções de nutrição, proteção e reprodução deste sistema (estruturalmente automatizados como máquinas). Enquanto o primeiro grupo de erros se refere a uma virtualização primária, à diferenciação de uma singularidade no universo; a Segunda virtualização e seu grupo de erros têm origem nos processos de nutrição do sistema que se des-envolvem de forma extremamente híbrida e simbiótica, seja em relação ao organismo materno, ao meio externo concebido como Natureza ou a qualquer forma de coletividade.

 Assim, aprender a alimentar-se, a defender-se e a sobreviver sem ajuda de outro organismo são funções de manutenção do sistema que contrastam com sua verticalização interior, são os limites horizontais e exteriores da auto-organização. Enquanto uma parte que quer ser um símbolo da unidade do todo sem levar em conta o interesse das outras partes, centraliza o sistema ditatorialmente; contemplar os interesses específicos das partes sem uma visão holística da totalidade, sem uma ética universal, desagrega e fragmenta a própria abordagem em um relativismo que não se reconhece no drama humano que estuda. Nem o idealismo universal e abstrato, nem o relativismo concreto de cada realidade local, o complexo quer pensar o universo concreto em suas múltiplas dimensões abstratas e simultâneas. E esta é a terceira virtualização e a outra importante definição de complexidade: o todo é mais e menos que a soma de suas partes.

Dentro do paradigma do lucro e da poluição de nossa sociedade, fazemos nossos mitos dos excedentes coletivo e individual dessas relações: o ‘espaço público’ (a polis, o estado, o social) é o resto que sobra do todo menos as partes e o ‘inconsciente’ (encarnado nas idéias de sexo,  energia ou dinheiro) é o que é inibido das partes através do todo. E esse ‘excesso’ e essa ‘falta’ são os mitos modernos da auto-organização social. Há uma verdadeira barreira cognitiva que nos impede de pensar em um universo, ao mesmo tempo, maior e menor que soma de seus elementos, incluindo aí os diferentes níveis de manifestação do aleatório: o caos, a entropia e o ruído. E esta barreira é a própria máquina de virtualização ternária (sujeito, objeto, código) com que nos observamos no mundo como um lugar de faltas e excessos.

  • A MORTE DA MÁQUINA
Existem também os contra/máquina (ou os contrários a metáfora da máquina). Fritjof Capra, por exemplo. Para ele, a idéia de que o Universo é uma máquina faz parte do paradigma cartesiano (o universo como um relógio) que temos que superar.  Para ele, o universo é um ser vivo e nosso erro foi coisificá-lo. E antes que alguém diga que a noção de máquina guattariana também é biológica, Capra diria: o universo é o Ser, não muitos entes.

Aliás, seu último livro The Web of Life/A Teia da Vida (26) teria em uma tradução não literal mas mais adequada o título de A Rede Não-Maquínica (a teia como metáfora?). Há nesse livro, uma convincente defesa apaixonada (não reacionária) de que não se deve utilizar computadores nas salas de aula. Acho seu ponto de vista paradigmático da posição de muitos intelectuais contemporâneos, que combatem o maquinismo como metáfora em vários níveis e chegam a comparar o consumo de audiovisuais à dependência química.

Então, agora pergunto: A máquina é apenas uma metáfora industrial 'cartesiana' ou é uma categoria fundamental do pensamento/ação? Quem tem razão, Capra ou Guattari? Ou será apenas que passamos do modelo do relógio para o fetiche do computador, mas que continuamos aprisionados pelas ferramentas que desenvolvemos?
  

“Hipermídia como reorganização preliminar e ultrapassagem dos meios tradicionais de comunicação, tais como o rádio, o jornal, a televisão. O computador pessoal - a arma de guerra vital do século XXI - é e será cada vez mais o centro tecno-intelectual de toda produção cultural e grande parte da produção econômica e política. Será a partir dele, pois, que se estabelecerão as grandes redes e meios de comunicação. Estas serão necessariamente mundiais e desterritorializadas quanto ao tempo e ao espaço. O computador será o rádio, o jornal, a televisão - social, mas também pessoal - o centro de comunicação fundamental dos indivíduos com o mundo e entre si.“


 As idéias de Cândido nos suscitam uma outra  reflexão: o advento dos microcomputadores domésticos não representa o fim do rádio, do jornal impresso, ou da televisão - mas o contrário: com o desenvolvimento da hipermídia estamos assistindo a morte mediática dos 'computadores' enquanto objetos/fetiche. A questão está em sabermos se é possível separar o fetiche da máquina da própria máquina. Ou separar o 'feitiço' do Computador dos computadores reais.

E deste ponto de vista, a 'morte do computador' pode lembrar as 'mortes' de Deus (Nietzsche) e do Homem (Foucault). Não será que estamos apenas trocando as imagens centrais (metáforas da totalidade incompleta) que nos dificultam de pensar o acontecimento puro? Aliás, nesse mesmo sentido, Regis Debret tentou recentemente matar a Imagem e Edgar Morin, em seus primeiros livros, tentou assassinar a própria morte. Mas a cada 'morte', ou a cada fetiche assassinato consumado por nossa crítica iconoclasta, mais vacinado contra a idolatria aos objetos de culto nosso pensamento se torna. Antes de Foucault, Deleuze e Guattari, por exemplo, falava-se do sujeito como uma representação do observador diante de seu objeto, a vida era um teatro de máscaras do inconsciente e as coisas sombreavam seus duplos; após esses três gigantes da contracultura, todos falam do sujeito como produção de si mesmos, a vida é uma usina inconsciente de expressividade e as coisas não descolam mais de seus ícones virtuais ou de seus fetiches.

  • A IMPLOSÃO NANOTÉCNICA
Nos últimos trinta anos, o transistor e o microchip levaram a uma miniaturização das máquinas e as relações humanas se virtualizam mais e mais, se misturando com as coisas. De fato: os computadores tornaram-se um fetiche ('o centro tecno-intelectual da produção' de subjetividade contemporânea) diante do qual todos decidem: "Ame-o ou deixe-o". Capra o rejeita como modelo, Guattari o transversaliza e Edgar Morin (27) sabiamente dissocia a noção genérica de 'máquina-ser' das máquinas artificiais concretas através de uma longa cadeia de ciclos e anéis de recorrência (as arquimáquinas, os motores selvagens, a máquina viva, a sociedade e, finalmente, os artefatos). Assim, os pólos extremos não se confundem.
 
Pólo Máquina-Ser
Pólo das Máquinas Artificiais Concretas
•A espontaneidade (no agrupamento, a regulação e na organização; • Existe e funciona com e na desordem; •A produção de produtos exteriores é um subproduto; • Produção-de-si (generatividade); • Reorganização espontânea; •Poiesis; • Criar.  •A preconcepção de elementos, da constituição, da organização da máquina; • Não pode existir nem funcionar na desordem; •A produção de produtos exteriores é a finalidade primeira; • Não há produção-de-si • Não há reorganização espontânea; • Fabricação; • Copiar.

Arquimáquina/Motor Selvagem/Máquina Viva/Sociedade/Artefatos

Morin utilizará o critério do autopoesis para distinguir as máquinas vivas e capazes de produzirem algo diferentes de si próprias, as arquimáquinas abstratas, das máquinas meramente produtoras ou reprodutoras de máquinas semelhantes ao próprio mecanismos, os artefatos concretos. Entre os extremos, várias gradações em anéis de recorrência também se produzem: os motores selvagens (a contradição capital/ trabalho e a luta de classes para marxistas, a máquina de guerra nômade de Deleuze, os mitos trágicos e a pulsão de morte), a máquina viva (o cibionte de Rosnay, o biopoder de Foucault, e suas estratégias de dominação e sobrevivência) e a sociedade (ou o conjunto das instituições). Quanto mais abstratas, mais as máquinas são auto-gerativas e tendem à singularização; quanto menos materiais e concretas, menor a sua capacidade criativa de des-envolvimento de seu contexto.

Com a chegada dos sistemas operacionais de rede (Linux,Windows98, etc) e dos terminais inteligentes chegamos simultaneamente ao fim da era das memórias locais e ao início do império do Ciberespaço, ao 'computador coletivo' que não se organiza centralizadamente como uma única inteligência (no velho e surrado estilo Big Brother), mas como uma memória de rede rizomática de milhões de inteligências diferentes comum aos homens e às máquinas: o Ciberespaço.

Atualmente a miniaturização maquínica e a microcodificação devem pulverizar ainda mais o Computador em diversos objetos informacionais (carros, próteses corporais biomecânicas, roupas, acessórios, etc...), fazendo com que o computador penetre ainda mais no mundo das coisas e tornando sua presença cada vez menos evidente. Ou como escreveu informalmente (28) o professor André Lemos: "A onipresença dos chips causa o desaparecimento da máquina. A ênfase estará, de agora em diante, nos objetos: os "computadores" (os chips) estarão (estão?) no controle, como um cérebro eletrônico, embutido nas coisas, penetrando corpos orgânicos e inorgânicos (como projeto Things That Thinks do Massachusetts Institute of Technology)".

Em uma analogia entre as memórias neurológicas e tecnológicas, Pierre Levy associou as memórias RAM às lembranças de curto prazo e os HD, à memória biográfica. Este raciocínio também defendido pela Declaração de Natal, assinada durante o primeiro Encontro dos Pesquisadores do Ciberespaço, na reunião anual da SBPC de 98:
  

"Regenerar as cidadanias locais e gerar uma cidadania mundial, para ligar nossas várias terras natais formando uma única Terra Natal: o Ciberespaço. E eis também as duas faces das redes virtuais: desterritorialização do espaço físico e materialização do imaginário. Em um passado ainda recente, a memória arcaica do homem, concebida como uma unidade mítica das culturas, recebeu muitos nomes: 'inconsciente coletivo', 'cérebro planetário', 'alma do mundo', 'noosfera''. O Ciberespaço, no entanto, não é (apenas) um espaço imaginário formado por sonhos, mitos e imagens do inconsciente, mas sobretudo uma realidade da qual não podemos ser excluídos. Em contrapartida, também não podemos excluir a idéia de um fundamento biológico da Inteligência Planetária, de uma memória arcaica anterior ao aparecimento das redes digitais globalizadas. O Ciberespaço é a fusão definitiva do biológico e do tecnológico, a simbiose completa entre o bicho e a máquina”.


 O advento deste 'computador invísivel' (coletivo e múltiplo ao mesmo tempo) tenderá a subtrair das máquinas as memórias ROM, aumentado-lhes apenas a capacidade lógica operacional.

Em contrapartida, quanto menos memorizamos comandos em nossa memória biológica de curto prazo, mais nos dedicaremos ao aperfeiçoamento subjetivo de nossas referências e à singularização histórica. Assim, quanto menos as máquinas não tiverem  memória local ou personalidade própria, mais funcionarão como extensões amplificadoras de nossos corpos criativos.

As sociedades de controle não serão dominadas por máquinas ao estilo “Big Brother”, mas isto também não significa que elas serão mais democráticas ou justas, uma vez que as vontades humanas superpotencilizadas pela tecnologia podem continuar sendo mecanicamente dirigidas pela lógica capitalista de um “Corpo Sem Órgãos” amorfo e improdutivo. Este, porém, será, na razão inversa da miniaturização das máquinas, será cada dia mais visível e evidente. Quanto menos ruído, mais utopia.

Por isso todos sonham com uma cartografia dos desejos, porque ela seria a chave do imprevisível e da construção de uma utopia segura. Mas, como se constituiu essa 'vontade de saber'? Ou melhor: como se constituiu essa consciência e o estudo desta vontade de saber? É o que veremos a seguir.


O HERMENEUTA
INDEX
PRÓXIMO CAPÍTULO

NOTAS

(1) MORIN, E. “La complexité et l’entreprise”  in Introduction à une pensée complexe, ESF, Paris, 1990 pp 113-124. Tradução do professor José Maria Tavares de Andrade (UFBA),  1997.

(2) WIENER, N. Cyberbetics, MIT Press, Cambridge, Mass., 1961.

(3) Nesta lógica, é necessário não deixar que a imagem substitua o símbolo, que o imaginário socialmente produzido substitua a expressão onírica do inconsciente, que noção de ciberespaço/paraíso virtual substitua a idéia de utopia, de construção de uma sociedade melhor.

(4) RUELLE, D. Caos e Acaso. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista  (UNESP), 1993. O modelo do caos determinístico surgiu através do estudo física da turbulência em fluídos para tentar explicar a ocorrência de redemoinhos e turbilhões. Este mesmo modelo  estatístico, por exemplo, serve para  reproduzir o efeito popularidade em sua súbita aceleração, em que pequenas diferenças nas condições iniciais de um sistema ampliam exponencialmente seu aspecto dinâmico, mudando sua história.

(5) PRIGOGINE, I.  A Nova Aliança. Paris: Galimard, 1986. Já no modelo das estruturas dissipativas da termodinâmica, o estado final do sistema independe das condições iniciais ou de seu aspecto dinâmico. Nele, a ênfase é dada à estrutura intrínseca do sistema, à auto-organização em função da entropia, da perda dissipativa de energia e calor. Este modelo corresponde ao efeito ‘profecia’ em que, através de uma sincronia descontínua de conjunto, os fatores restritivos condicionam o estado do sistema.

(6) Para Foucault, nas sociedades disciplinares, a verdade era sempre confessada ("o critério de  verdade é a sinceridade"). Hoje se um evento não for simulável, não será verdadeiro. O virtual e sua subjetividade maquínica não intencional é que são, nos novíssimos dispositivos de controle, os critérios de verdade. "A simulação é verdadeira; a dissimulação, falsa." (Baudrilard)

(7) ALLIEZ, E.  Deleuze Filosofia Virtual. Coleção Trans. São Paulo: Editora 34, 1996.

(8) BALDIOU, A. Deleuze - O Clamor do Ser.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.  Para Baldiou, o pensamento de Deleuze é uma estranha mistura de Platão com Heidgard: o real é a multiplicidade dos entes: o virtual sua transcendência no unicidade do ser.  Mas, na verdade, para Deleuze, o real , o potencial, o virtual e o atual são todos imanentes uns aos outros.

(9) LÉVY, P. O que é o virtual? Coleção Trans. São Paulo: Editora 34, 1996.

(10) ATLAN, H. Entre o Cristal e a Fumaça. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. Ou em bom português: pau que nasce torto só morre torto se quiser. Mas esse querer não é apenas uma questão de esforço ou vontade individual, mas sobretudo de sintonia e oportunidade simultaneamente com o conjunto imediato e com a multiplicidade de fatores dinâmicos. É preciso uma visão histórica e de conjunto para romper com os fenômenos estatísticos de retroalimentação causal, quebrando a cadeia de determinação interna dos fatores recorrentes com uma proposta global de auto-organização frente ao inesperado. Romper com o efeito  ‘círculo vicioso’ significa então aprender com os próprios erros e viver criativamente. Singularizar-se.

(11) DELEUZE&GUATTARI, O Anti-Édipo. Lisboa: Assírio & Alvim, l995.

(12) Mais do que um 'Id' Freudiano coletivo, do 'Nada' sartreano ou do 'dionisíaco' de Nietzsche, é na noção de 'Nagual' e de 'Ovo luminoso' do polêmico antropólogo/feiticeiro Carlos Castanheda que Deleuze & Guattari vão buscar explicar (em Mil Platôs) sua versão do diabólico arquétipo do irracional. O CSO, no entanto, não é uma entropia constante, mas sim um suporte através do qual as máquinas operam.

(13) DELEUZE, G. & GUATTARI, F. Mil Platôs. Volume 1. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.

(14) GUATTARI, F. Caosmose - um novo paradigma estético. São Paulo: ed.34. 1992.

(15) PARENTE, A. Imagem Máquina - A era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996.

(16) DELEUZE, G. Conversações. São Paulo: Editora 34, l998.

(17) GOMES, M. B. O Espelho do Tempo - Representação Sígnica & Imaginação Simbólica Publicado pela Revista Pretextos, publicação acadêmica da Associação Nacional de Cursos de Pós-Graduação em Comunicação Social (COMPOS). Há tb um trabalho mais antigo, O Espelho de Oxum, que é melhor editado e menos acadêmico.

(18) Há também uma página-espelho em www.ufrnet.br/~mbolshaw/saber.html

(19) GOMES, M. B. Semiética - Da Hermenêutica à Complexidade.

(20) LEMOS, A. A Página do Cyborg Veja tb a tradução do Manifesto Cyborg

(21) PRIMO, A. Interação mútua e interação reativa.  in Espiral Interativa.

(22) SALLES, C. Jornada sobre Sistemas Complexos, UFRN, 1997.

(23) FIEDLER-FERRARA, N.  Ensaios  de Complexidade. Natal: Edufrn, 1998. Enquanto no modelo do caos o ruído é indesejável, nas estruturas dissipativas, ele é uma interferência que muitas vezes se confunde com o meio externo; neste terceiro modelo de sistema complexo, a ênfase é sobre os fatores aleatórios que possibilitam a mudança e o desenvolvimento.

(24) (...) “trata-se de um sistema que apresenta diversos níveis de organização (...); um nível superior não pode ser inteiramente explicado separando os elementos que o compõem e interpelando as suas propriedades na ausência das interações que unem seus elementos, isto é, os diversos níveis de organização não são redutíveis a uma estrutura única feita de componentes elementares, ou seja, a história do sistema é irredutível a fatores estruturais.”  FIEDLER-FERRARA, N. Idem. Página 32. Itálico do autor

(25) ‘Ser criativo’, neste contexto, significa encontrar soluções e respostas novas a essa tendência compulsiva do sistema à repetição, é ‘singularizar-se’, é aprender com os próprios erros pelo caminho inexplorado de nossa experiência pessoal com a totalidade Muitos chamam esse processo de individuação ou de individualização. No entanto, essa denominação é deficiente e acarreta ambigüidades, pois além de representar a idéia de aperfeiçoamento ético, também é um simulacro ideológico do ego moderno e da sociedade de massas.  Ao interpretar a imagem do todo de forma singular, a parte que assume a responsabilidade pelo conjunto do sistema perde todo ‘individualismo’ (no sentido de priorizar as necessidades pessoais) em função da construção de uma identidade arquetípica e da mudança de seus fatores estruturais. É  a morte iniciática do ego que permite a expressão do Eu (Self).

(26) CAPRA,  F. A teia da Vida. São Paulo: Cultrix, 1996. (menos esotérico que o Tao da Física e que o Ponto de Mutação e mais voltado para a noção de Complexidade)

(27) MORIN, E.  O Método, volume primeiro, A natureza da natureza. Lisboa: Publicações Europa-América, 1977

(28) Intervenção na lista de discussão cibercultura@ufba.br  O professor André Lemos é um principais especialistas brasileiros sobre o assunto.