FOUCAULT
SEGUNDO DELEUZE
O filósofo
Gilles Deleuze, em uma de suas homenagens póstumas ao historiador
Michel Foucault (1), comparou-o a um ‘novo Marx’, devido à sua forma
revolucionária de entender o Poder. Para Deleuze, Foucault foi o
principal teórico da contracultura, derrubando, em seu livro Vigiar
e Punir (2), uma série dos postulados tradicionais do pensamento
de esquerda.
-
O Postulado da Propriedade,
segundo o qual o poder seria ‘propriedade’ de uma classe que o teria conquistado.
Para Foucault, o poder não é uma apropriação
mas um conjunto de estratégias materializadas em práticas,
técnicas e disciplinas diversas e dispersas. “Ele se exerce mais
do que se possui, não é um privilégio adquirido ou
conservado da classe dominante, mas o efeito de conjunto de suas posições
estratégicas”.
-
O Postulado do Atributo,
conforme o qual o poder teria uma essência e um atributo. Segundo
Foucault, o poder não tem essência, é operatório;
ele também não é um atributo, mas uma relação
de forças que perpassa todo campo social, envolvendo dominadores
e dominados.
-
O Postulado da Subordinação,
pelo qual, o poder, encarnado no aparelho de estado, estaria subordinado
a um modo de produção ou, em última instância,
a uma infra-estrutura econômica. Para Foucault, o poder é
diretamente ‘produção’, ele é imanente à produção
social e não comporta nenhum tipo de unificação transcendente
ou centralização globalizante.
-
O Postulado da Localização,
que entende o Estado e a esfera pública como centro do poder.
Foucault, ao contrário, vê o poder microfisicamente disperso
em uma multiplicidade de disciplinas e de manobras táticas: o poder
não nem global nem local, mas difuso infinitesimal.
-
O Postulado da Modalidade,
de acordo com o qual, o poder agiria ora por coerção, ora
por consenso. E em Foucault, o poder produz a verdade antes de mascará-la
na ideologia; o poder produz a realidade antes de forçar o seu enquadramento
através da violência.
-
O Postulado da Legalidade,
pelo qual a lei é expressão contratual do poder. Para Foucault,
a lei não é uma regra normativa para regulamentar a vida
social em tempos de paz, mas a própria guerra das estratégias
de uma determinada correlação de forças.
Bem vistas as
coisas, esses postulados ainda são insuficientes para entender a
importância da revolução metodológica proposta
pelo pensamento foucaultiano se o confrontarmos com outras influências.
Em relação a Freud, por exemplo, também podemos perceber
a queda de pelo menos dois postulados tradicionais em A Vontade de Saber
(3):
-
O Postulado do Recalcamento,
segundo o qual a sociedade reprime os desejos e instintos dos indivíduos.
Para Foucault, não existe repressão sexual, o que há
é uma ‘interjeição’, onde o sexo é proibido
e escondido apenas para ser incitado e incessantemente revelado. Ou seja:
as categorias de ‘repressão/interdição’ são
substituídas pela de ‘controle’.
-
O Postulado Hermenêutico
do Desejo, segundo o qual há, por detrás de qualquer
ação humana, um sentido oculto a ser descoberto. Foucault
rebela-se contra a confissão como ‘um critério de verdade’
e acredita que ela constitui uma estratégia do poder.
Pensamos, porém,
que a grande contribuição filosófica de Foucault se
deve ao seu diálogo intelectual com Nietzsche, de onde também
podemos extrair dois postulados epistemológicos - aparentemente
contrários:
-
O Postulado da Morte do Homem,
enunciado nas últimas páginas de um de seus primeiros livros,
As
Palavras e as Coisas (4), quando Foucault, em uma analogia explícita
à morte de Deus nietzschiana, rejeita a idéia tradicional
de um sujeito cartesiano do conhecimento.
-
O Postulado da Ressurreição
de Si, enunciado na introdução dos seus últimos
livros, O Uso dos Prazeres e O Cuidado de Si (5), em que
Foucault estudará a formação de um ‘sujeito do desejo’
nos gregos e nos latinos.
O tema de nascimento,
morte e ressurreição do sujeito na filosofia ocidental volta
a ser uma das principais discussões contemporâneas. Entretanto,
são poucos os que vêem uma solução nesse processo
de iniciação do social no simbólico. Para que se coloque
a questão do ressurgimento do simbólico corretamente, sem
confundi-la com o ‘retorno às superestruturas’ ou à subjetividade
pré-científica é necessário entender como a
trajetória geral do pensamento foucaultiano deu origem ao um 'Diagrama',
isto é, ao conjunto simultâneo de fatores sobrepostos: o Saber,
o Poder e o Si.
DIAGRAMA
DE FOUCAULT SEGUNDO DELEUZE
LIVROS
|
PROJETOS
|
História
da Loucura
As palavras
e as coisas
O Nascimento
da Clínica |
ARQUEOLOGIA
DO SABER
(Formas x
forças)
|
Vigiar e Punir
Vontade de
Saber
Microfísica
do Poder (coletânea brasileira) |
GENEALOGIA
DO PODER
(ou o lado
de fora)
|
O Uso dos
Prazeres
Cuidado de
Si |
ESTÉTICA
DA EXISTÊNCIA
(ou
lado de dentro)
|
Em seus primeiros
trabalhos, Foucault irá se definir pelo método arqueológico
e estudará prioritariamente o ‘saber’. Entretanto, este saber será
sempre um duplo de uma determinada correlação de forças.
Daí o primado do ‘dizer’ sobre o ‘ver’, dos enunciados sobre as
formas não-discursivas, uma vez que a linguagem tem um sentido e
este sentido é politicamente imposto. Assim, para desvendar o verdadeiro
sentido deste saber duplicado seria necessário construir uma genealogia
do poder. E este projeto foi iniciado em Vigiar e Punir. O aparecimento
da instituição carcerária e do direito penal são
o pano de fundo para a construção de uma analítica
do poder. Tratava-se então da ‘emissão e distribuição
de singularidades, dos vetores não estratificados que agem através
do saber, vindos do lado de fora’.
Já na
conclusão de
A Vontade de Saber, Foucault esboça pela
primeira vez uma explicação geral de todo seu trabalho anterior.
O manicômio, a clínica, o presídio e toda arqueologia
descontínua das instituições se explicariam por uma
mudança na forma através do qual o poder se exerce: do poder
baseado na morte e na punição exemplar para o poder das punições
simbólicas e administrativas. A cumplicidade involuntária
de Foucault com o poder foi denunciada impiedosamente por Jean Baudrilard
(6). Para ele, ao descrever o poder como algo que engloba todas as resistências,
Foucault teria anulado qualquer possibilidade de mudança estrutural
de nossa sociedade.
E, nos últimos
livros, mesmo sem responder diretamente, Foucault adota uma mudança
importante: o ressurgimento da subjetividade, do ‘lado de dentro’, não
como uma entidade cognoscente, mas como uma auto-referência diante
do poder e dos seus duplos, os discursos. O Uso dos Prazeres
e O Cuidado de Si, fariam parte de uma terceira e última
etapa do filósofo, em que seu objeto não seria mais o saber
ou o poder, mas a procura de um ‘lado de dentro’. Mas talvez, a trágica
doença responsável pela morte do filósofo, seja também
a causa de uma relação de afeto consigo mesmo, de uma auto-referência
discursiva diante do poder. Foi a morte que despertou a consciência
de Si.
Deleuze sustentará
que o Si no final da História da Sexualidade não é
um retorno ao sujeito antropocêntrico do conhecimento assassinado
em
As Palavras e as Coisas, mas sim de uma evolução
'para dentro', uma 'dobra' que amplia ainda mais o campo de investigação
foucaultiano da crítica política à autoreferência
ética. Também podemos observar a evolução esta
mudança ainda, amplificando o período entre o primeiro é
o último volumes da História da Sexualidade, através
do desenvolvimento de suas aulas anuais no College de France (7). Observa-se
que, desde 76, Foucault começa a ampliar o campo de sua investigação,
não só passando do estudo das instituições
para sociedade como um conjunto, mas também, a partir dos anos 80,
ampliando o período histórico de seus estudos e discutindo
práticas éticas clássicas e latinas como formadoras
de nossa concepção de verdade atual.
ANO
|
TEMA
DA AULA
|
EMENTA
DO PRÓPRIO FOUCAULT
|
1970/71
|
A vontade
de saber
|
Configuração
geral do estudo da penalidade na França, no século XIX e
o início do psiquiatria penal. |
1971/72
|
Teorias
e instituições penais
|
Seguindo o
estudo das práticas e conceitos médico-legais, o caso do
assassino Pierre Rivière é analisado em especial. |
1972/73
|
A sociedade
punitiva
|
A prisão
como paradigma de organização da cidade moderna: o panoptismo. |
1973/74
|
O poder
psiquiátrico
|
A história
da instituição e a arquitetura hospitalares. |
1974/75
|
Os anormais
|
Análise
das transformações da perícia psiquiátrica
dos casos de monstruosidade até ao diagnóstico dos 'anormais'. |
1975/76
|
"É
preciso defender a sociedade"
|
Estudo da
categoria de 'indivíduo perigoso' na psiquiatria criminal e nas
teorias de responsabilidade civil do séc. XIX |
1976/77
|
Não
houveram Seminários
|
Não
houveram Seminários
|
1977/78
|
Segurança,
território e população
|
A passagem
do estado territorial para o estado da população e o aparecimento
de novos objetivos de governo. |
1978/79
|
Nascimento
da biopolítica
|
A racionalização
das práticas de governo do estado moderno em relação
à saúde pública e à vida social das cidades. |
1979/80
|
Do governo
dos vivos
|
O pensamento
liberal, a confissão, o exame de consciência - o governo dos
homens 'livres' e os mecanismos disciplinares |
1980/81
|
Subjetividade
e verdade
|
Como o sujeito
de conhecimento se constitui em diferentes contextos históricos:
as técnicas de si. |
1981/82
|
A hermenêutica
do sujeito
|
Para entender
a idéia de 'governo de si', discute-se as práticas éticas
clássicas e latinas, anteriores ao cristianismo. |
Tendo sempre
a filosofia de Nietzsche como pano de fundo, houveram ainda vários
encontros e participações entre os dois grandes pensadores
franceses: o prefácio de Foucault ao Anti-Édipo (8),
a conversa reproduzida na coletânea brasileira intitulada Microfísica
do Poder (9). Porém, o grande encontro de Foucault com Deleuze
é póstumo. No 'post-scriptum sobre as sociedades de controle',
último capítulo do livro
Conversações
(10),
Deleuze proclama o fim das instituições disciplinares e de
confinamento estudadas por Foucault (a escola, a fábrica, o presídio,
o hospital, o exército) e o aparecimento de novos dispositivos de
controle 'em redes a céu aberto'.
PHYLLUM
DO PODER POR FOUCAULT (SEGUNDO DELEUZE)
Sociedades
de soberania |
Poder emana
do direito de morte do rei |
Sociedades
disciplinares |
Poder a partir
do confinamento e duração |
Sociedades
de controle |
Poder baseado
na moratória ilimitada |
Para Deleuze,
o regime de moratória ilimitada mais do que levar a culpa (e o ressentimento)
dos indivíduos contemporâneos a um estatuto de responsabilidade
social, vai estabelecer um novo tipo de funcionamento do poder, ainda mais
introjetado e subliminar que a disciplina: o controle contínuo a
partir de um sistema númerico de cifras e senhas. Mas, ao contrário
de muitos ciberfanáticos atuais, Deleuze não considera a
sociedade de controle globalizado melhor que as antigas sociedades disciplinares
(embora haja avanços: o atendimento médico domiciliar deve
ser melhor que o hospital, os serviços comunitários para
delitos leves devem ser melhores que o encarceramento, a empresa e a participação
nos lucros são melhores que a fábrica e o salário).
Para ele, o importante é descobrir formas de resistência a
este novo poder .
Dos diversos
tipos de retorno que a cibercultura contemporânea pode significar
(retorno ao arcaico, ao tradicional, ao simbólico), o mais interessante
e menos visível é o regresso a um ‘Uso temperante dos Prazeres’.
Porém, enquanto para os gregos a idéia de temperança
era prescritiva e não normativa, nossa relação compulsiva
com o consumo é involuntária. Aliás, alguém
uma vez definiu a condição pós-moderna como a proibição
do consumo estimulado. Deveras, o mesmo que Foucault disse sobre a repressão
ao sexo serve também para o consumo. Talvez com a liberação
sexual da contracultura, e, mais recentemente a AIDS, o centro da correlação
de forças tenha se deslocado da genitalidade para a oralidade. Na
pós-contracultura, as ginásticas e as dietas voltam a desempenhar
um papel central no cotidiano, as asceses e os regimes corporais se colocam
novamente. Somos hipnosugestionados a consumir pelos meios de comunicação
e proibidos de fazê-lo por diferentes níveis de autoridade.
Relevante neste
sentido, é a questão das drogas e da dependência química.
A noção foucaultiana de ‘modo de sujeição’
nos sugere que o poder tornou-se mais bioquímico que microfísico
e que a principal estratégia atual consiste, na produção
hipócrita de uma sociedade de viciados. Álcool, nicotina,
cafeína, açúcar, remédios, mas, sobretudo,
ilusões. Eis a mais cara e menos proibida das drogas: a TV. Aliás,
o consumo de imagem e som é a única coisa gratuita em nossa
sociedade. Ele interage diretamente com o universo alimentar formando um
conjunto de necessidades e, principalmente, mantendo o indivíduo
em níveis cada vez mais altos de stress emocional. Após séculos
de sujeição sexual imposta pelo cristianismo, os mecanismos
de poder geram agora uma nova tecnologia de controle: as formas psicoquímicas
de subjetivação do sentimento de morte. A dependência
química e as redes telemáticas fazem parte de uma única
estratégia.
Hoje existem
várias leituras da obra de Foucault valorizando seus diversos méritos
históricos e metodológicos (a nova história de Paul
Veyne, por exemplo), mas apenas a leitura deleuziana atualiza a abordagem
de Foucault para vida contemporânea e seus problemas atuais (consumo,
dependência química e psicológica, artificialização
do corpo, etc). Ou seja - como profetizou o próprio Foucault:
'o século será deleuziano' .
"O paraíso
atual é obrigatório e o inferno é a exclusão
do mercado consumidor" - afirma o psicanalista Eduardo Losocer (11), da
ASPAS (Associação de Pesquisadores e Analistas da Subjetividade).
Ele faz uma interessante analogia entre os sete pecados capitais e as principais
compulsões pós-modernas:
1) Orgulho/Autopromoção
- Para os analistas da ASPAS, "hoje em dia, ninguém se orgulha
mais de si ou da vida que leva'. No entanto, as idéias de autoestima
e de autopromoção substituíram as de honra e dignidade. |
2) Inveja/Dissimulação
- A inveja, e seu eterno contraponto, a vaidade, por sua vez, tornaram-se
dissumulação, máscaras bem educadas do sentimento
de despeito. |
3) Gula/Mania
de juventude - A anorexia, a bulimia, apresenta-se como o contrário
da voracidade da gula apenas na aparência. Na verdade, trata-se
apenas de uma nova forma da secular fome insaciável de juventude. |
4) Avareza/consumismo
-
O mesmo (ou o inverso) acontece entre a antiga avareza e o consumismo contemporâneo,
por trás de uma aparente contradição, encontramos
um miserável cercado pelo luxo. |
5) Ira/Deboche
- Para a ASPAS, o escárnio é a principal forma de expressão
do ódio. Quem tem raiva, debocha, ironiza, ridiculariza
os seus adversários. A ira se transformou em sarcasmo. |
6) Luxúria/Voyeurismo
- O pecado da luxúria, que nos levava a pensar e a fazer sexo
em excesso, é hoje um hábito de telespectadores. O vício
pela imagem substituiu o vício pela sensação. |
7) Preguiça/Vício
de trabalhar - O ócio, tão criativa e prazerosa em outros
tempos, tornou-se uma obrigação intelectual. O fim do trabalho
manual escravizou as mentes posmodernas. |
Porém,
apesar desta grande proximidade com as idéias de Deleuze e Foucault,
eles não chegam a noção de 'modos de subjetivação'
ou pelo menos não apresentam essa concepção na matéria.
Por que será que a velocidade máxima permitida é de
80km/h e os carros têm velocímetros até 200 km/h? O
que quer a sociedade? Que sejamos hipócritas? Ou que introjetemos
um comportamento cuidadoso sem a necessidade de regras e normas externas?
Tanto em relação
ao sexo nos tempos de Foucault quanto diante do consumo, as duas coisas
são verdadeiras ao mesmo tempo. É que a regra produz sempre
na proporção de nove por um. No campo da ética, nove
psicopatas tarados por um santo de conduta exemplar; no campo da estética,
nove gorduchas para uma Cindy Crawford; no campo global: muito ruído
para pouca utopia.
E será
que este autocontrole introjetado através da Cibercultura é
apenas um aperfeiçoamento da manipulação social exercida
através da culpa cristã (e do cuidado latino e da temperança
clássica)? É claro que não. Há também
um aspecto positivo e é justamente isso que a pesquisa da Aspas
omite: o consumismo existe para gerar a ponderação; os workholics
não são a mera negação da preguiça mas
uma condição para gerar pessoas criativas; o voyerismo e
a excitação pela imagem, gera a necessidade de sensibilidade
real; etc ...
E é
neste contexto, aberto por Foucault e ampliado por Deleuze - em que as
drogas e os meios de comunicação de massa (e agora a Internet)
são, mais que sonhos alienantes da realidade, novos modos de sujeição
e controle - que o professor Paulo Vaz (12) descreve, no artigo Corpo
e Risco, a passagem da 'Norma' ao 'Risco', frisando uma dimensão
sobre a idéia de Poder importante que é a origem Nietzscheana
comum dos trabalhos de Foucault e de Deleuze.
Em Globalização
e Experiência do Tempo, Vaz deriva para uma discussão
entre moderno e pós-moderno e para a questão da utopia social,
a partir da mudança do conceito de novo. Mas deve ter percebido
também a conexão com a discussão do risco. O
Cuidado de Si torna-se um elemento diferencial da cultura contemporânea
em relação à modernidade e às sociedades disciplinares.
"Pensar a
globalização não implica apenas deter-se sobre o novo
ritmo do capital financeiro ou sobre o jogo entre identidades locais e
globais. É preciso também ater-se à nova experiência
de tempo, onde o possível é gerado pela tecnologia e possui
uma força intrínseca de realização, um dinamismo
acelerado. Nesta nova experiência, o decisivo é, primeiro,
um estranho feedback entre presente e futuro, onde a conseqüência
antecipada torna-se condição da ação, e, segundo,
a experiência subjetiva deste possível exterior ao desejo,
acelerado e dinâmico, experiência desta evolução
tecnológica que não é integradora, apresentando-se
aos indivíduos na simultaneidade paradoxal de oportunidade e dever.
Procura-se então esboçar as condições de possibilidades
destes discursos atuais que tanto ressaltam a oportunidade de reinvenção
da democracia e da experiência subjetiva, quanto estipulam uma série
de ameaças para os indivíduos e a sociedade." |
Já
em Corpo-Propriedade,
Vaz não só de generaliza os resultados obtidos nos primeiros
textos - o cuidado de si se amplifica tecnologicamente em uma nova experiência
de tempo/espaço em que o futuro e sua simulação passam
a desempenhar um papel fundamental - mas, sobretudo, pensa uma nova 'experiência
de morte' vigente na vida contemporânea. A idéia de 'limite-meta'
é a de mostrar uma nova forma de produção de sentido
para os homens. E a resistência a este procedimento residiria não
na relação entre morte e alteridade, mas naquela entre vida
e multiplicidade.
"O efeito
da colocação à distância é fazer do limite
uma meta. Tanto o limite é uma meta para os indivíduos, quanto
ele é a meta da pesquisa biomédica que visa o seu recuo.
Dado os riscos que portamos, devemos agir para morrer quando devemos. O
limite-meta repõe a dívida e um sentido para a vida. Enquanto
na Modernidade a antecipação do Limite era condição
do questionamento dos limites sociais, na Atualidade, o afastamento do
Limite possibilita haver limites sociais em uma sociedade individualista
e pós-cristã.
"Dois exemplos
do limite-meta. Um é o debate sobre a aceitabilidade da eutanásia.
O nó do debate é a possibilidade de estar havendo um
prolongamento artificial e doloroso da vida. Enquanto a medicina moderna
surgiu pela aceitação de que ainda havia processos vitais
mesmo após o indivíduo estar morto, de tal modo que a vida
podia ser pensada como o conjunto de funções que resistem
à morte, hoje nós pensamos que é possível um
indivíduo estar morto mesmo que ele esteja vivo: as técnicas
lhe fizeram ultrapassar o seu limite. Damásio, mais uma vez, nos
oferece o segundo exemplo. Um longevo seria um sábio: a inteligência
se define pela duração de vida. O quão afastada está
a concepção romântica de gênio, daquele que era
capaz de sacrificar a vida para realizar a obra." |
A
morte pós-moderna é imanente a vida. Ela não é
uma ameaça eventual, mas uma presença constante a cada segundo.
E a antiga moral se tornou uma Anatomia do Ruído de nossas consciências.
Somos comparáveis aos rádios e nossa mente, ao controle de
sintonia. Por isso, os sete pecados capitais, mais do que compulsões
do inconsciente, tornaram-se 'limites-meta' - ou, na linguagem corrente,
'couraças corporais', 'vibrações desequilibradas das
sete energias' e outras imagens das freqüências agenciadas em
rede - tanto na psicologia como no esoterismo.
|