O DIÁLOGO ENTRE A CONSCIÊNCIA E O INCONSCIENTE

Em A Interpretação dos Sonhos (1900), Freud lançou as bases da ciência hermenêutica moderna ao distinguir, na decifração de fenômenos oníricos, o conteúdo manifesto do latente ou oculto. Para ele, todo sonho seria 'a realização simbólica de um desejo inibido', mas nem sempre a expressão deste desejo é clara e inequívoca, ao contrário, haveriam mecanismos psicológicos responsáveis pelo mascaramento simbólico dos impulsos recalcados. 

Freud chamaria esses mecanismos: condensação, deslocamento, simbolismo, dramatização e processo de elaboração secundária. 

MECANISMO DE MASCARAMENTO
CONDENSAÇÃO METOMÍNIA INDIVIDUAL
DESLOCAMENTO METÁFORA INDIVIDUAL
SIMBOLIZAÇÃO METOMÍNIA COLETIVA
DRAMATIZAÇÃO METÁFORA COLETIVA
ELABORAÇÃO SECUNDÁRIA ESQUECIMENTO/MEMÓRIA

Por condensação se entende o processo segundo o qual um conteúdo manifesto apresenta mais de um conteúdo latente de forma simplificada. Já deslocamento, se define como o processo pelo qual a carga afetiva se destaca de seu objeto normal para fixar-se num objeto acessório. Lacan, ao tomar o inconsciente estruturado como uma linguagem e o sonho como um discurso a ser decifrado, reconheceu os mecanismos freudianos de condensação e de deslocamento nos termos 'metonímia' e 'metáfora', importados da lingüística estruturalista. 

 A dramatização consiste no processo através do qual os conteúdos conceituais são substituídos por imagens visuais. A simbolização se distingue da dramatização por duas características. Em primeiro lugar, enquanto a dramatização parte sempre do abstrato para o concreto, o símbolo vai do concreto ao concreto, de uma imagem à outra sem conceitos. Em segundo lugar, a relação do significado com o sinal é estritamente pessoal na dramatização; enquanto que no símbolo, ele é universal. Assim, de certa forma, dramatização e simbolismo seriam mecanismos coletivos análogos aos processos de condensação e deslocamento individuais. 

A elaboração secundária se revela como o processo pelo qual, à medida que se aproxima a vigília, a produção onírica é reorganizada por uma lógica racional. Assim, nos lembramos dos sonhos sempre de trás para a frente, apagando seus detalhes e paradoxos.

Para Freud, o processo de simbolização se explicaria ainda através da censura e dos quatro movimentos de defesa do ego diante da crueza dos seus instintos e desejos objetais: identificação, projeção, introjeção e sublimação. 

CENSURA OU MOVIMENTOS DE DEFESA DO EGO

IDENTIFICAÇÃO QUANDO EGO SE RECONHECE NO OBJETO
PROJEÇÃO QUANDO EGO VÊ NO OBJETO ASPECTOS SEUS
INTROJEÇÃO QUANDO EGO VÊ EM SI ASPECTOS DO OBJETO
SUBLIMAÇÃO QUANDO EGO IDEALIZA O OBJETO

Este último mecanismo, aliás, seria o artífice universal de todas as religiões e, através da arte, a única alternativa às neuroses sociais e a repressão dos instintos pela civilização. É necessário assinalar que a noção de sublimação na interpretação hermenêutica dos sonhos será o ponto central das divergências entre Freud e Jung, uma vez que o discípulo discordava que o simbólico fosse apenas um resultado do caráter determinista e compulsivo do inconsciente biograficamente recalcado. 

Jung viu nos sonhos de seus clientes elementos mitológicos organizados de num modo prospectivo (e, muitas vezes, premonitório) chegando assim à conclusão de que o inconsciente não é apenas uma mera instância de repetição do passado individual, mas comporta ainda a sua transcendência psíquica e fenômenos mais complexos, de caráter coletivo e transpessoal. 

Este enfoque também será desenvolvido pelo biólogo Henri Atlan, que vê o sonho como uma linguagem de armazenamento de informação em nossa memória, não apenas dos recalques biográficos, mas, sobretudo, de possibilidades de um processo de autoorganização. O sonho, assim, seria também uma forma de selecionar alternativas e orientar decisões (cf. ATLAN: 1992 p.126) Assim, para o método duplo de interpretação dialógica, as concepções de Freud e Jung são complementares e necessárias à compreensão do universo psíquico. 

Ou como disse Ricoeur: "Se compreendermos esta identidade entre a progressão das figuras do espírito (Hegel) e a regressão em direção aos significantes chaves do inconsciente, compreenderemos também o dito de Freud, citado tantas vezes: "Onde estava o 'Isso', o 'Eu' deve passar a estar." (cf. RICOEUR: 1988 p. 120)