Hoje, depois do jantar, eu, pensando em você lá no cozinha lavando os pratos languidamente, cheguei a conclusões muito sérias sobre o que está errado em nosso relacionamento: nós temos o que temos; o que nós não temos, nós temos também: o proscrito está prescrito mesmo antes de ser maldito.
Obsceno,
o cinismo.
Algo que escondemos mal
para depois descobrir com a maior ingenuidade: “Que surpresa! Descobri
o segredo que criei!” Nada mais obsceno que essa falsa inocência.
Obsceno,
amar o desejo.
Aquilo que ganha relevo
pela falta, como você lá no cozinha: tua falta não
é tua, tua falta não é tua morte; minha espera tece
um drama - sua ausência ... Presente que te dedico sufoco, amor louco
em te adoro faltando. Cena sob cena, o obsceno é um cinema: “Você
é mais bonita lá na cozinha”.
Obsceno,
a vergonha.
Mas a coisa mais obscena
do mundo é o ciúme. O terrível ciúme que sinto
dos seus pratos. Supremo paradoxo de Narciso: se ter ciúmes é
uma vaidade, não querer tê-los também é. Vivo
um 'que-que-os-pratos-tem-que-eu-não-tenho’ contra um ‘Não-podem-perceber-minha-paranóia/não-quero-esmagar
o-outro’. Ou quero? Espelho em que me mostro monstro com vergonha de
declarar seu amor mesquinho. O obsceno ameaça minha imagem.
Obsceno,
a hipocrisia.
- Meu amor, largue esses
pratos e vamos dar uma trepada bem gostosa porque eu te amo muito.
Obsceno,
a verdade.
Num segundo após
o gozo, sou cruel o suficiente para te matar e suspiro: “Será que
posso te amar sem desejo? Não, é minha exclusividade obscena
que me faz único.”
|
|